Terça-feira,véspera de feriado,Av. Mem de Sá,4 horas da tarde,calor.
Ela respira e anda,olha em frente e o vê. Óculos escuros,social preto,dreads,mochila nas costas. Ela sorri.
Ele a repara.
Atravessam a rua,em silêncio. Entram no mesmo bar.
Ambos sentam em mesas distintas;Ambos pedem a mesma cerveja.
Ela vai ao banheiro,ele a para antes que entre.
- Tudo bom ? Sou músico,toco por aqui,na Pedra do Sal. Estive te observando.. qual seu nome ?
Ela sorri,tão falsamente,como sempre faz aos homens que se encantam por si própria.
Querido,já li em algum um lugar que o amor é tão verborrágico a ponto de ter a própria voz. Não sei fazer dele um repouso para o teu sossego,e nem para o meu. Sei que venho trazendo tempestades demais,vivendo tempestades demais e sendo a tempestade em si para os outros. Corro de olhares como o seu,de um sorriso como o seu. Porém,faço questão de utilizar o corpo e a mente para ter quem eu quiser.
A alma procura a outra na velocidade do desatino.Não há lugar senão para a busca. Nenhuma satisfação que não seja o encontro. Em tudo maravilha,encontrada seria uma. Um eterno abraço. Tanta saudade.
Porque não cessa esta falta que enfraquece ? Essa dor que apenas cresce. Porque não fecha o peito ardente ? Demente. Ouve o abismo presente,ouve o ruído dos passos. Então cai eternamente.
Torna-te aquilo que és. Nunca pensei estar tão a par de tantas tempestades em tantos olhares que me procuram,como o seu. Não quero ser procurada,não quero ser amada. Já amei demais,me entreguei demais,já construi muitas histórias embora com tão pouca idade. Já não sei mais conduzir,não sei acompanhar. Vivo sem saber. Corro sem saber. Sorrio sem saber. Amo sem saber. Nietzche também não sabia,e Domingos não sabe até hoje.
- Porque você não senta comigo? Façamos companhia um ao outro.
- Não vou te atrapalhar ?
- Imagina.
- Ok,vou pegar minhas coisas e sentarei.
Ela entra no banheiro. Ele volta e senta em frente á ela.
Ela volta,ele a olha.
- Sou casado,mas não dará certo. Desde que te vi atravessando a rua eu a quis.
Nada é perfeito...
- Me dê seu contato. Quero vê-la mais uma vez.
Vou correr.Já corri. Mas antes mergulhei,sem querer.Vamos ter uma casa em Santa Tereza juntos. Não,não quero. Quero morar sozinha.
O hábito de estar aqui agora,aos poucos substitui a compulsão de ser o tempo todo alguém ou algo.
Um belo dia - por algum motivo - é sempre dia claro nesses casos. Você abre a janela,ou abre um pote.
De pêssegos de calda,ou mesmo um livro que nunca há de ser lido até o fim,e então a ideia irrompe,clara e nítida: É necessário ? Não. Será possível ? De modo algum. Ao menos dá prazer ? Será prazer essa exigência cega a latejar na mente o tempo todo ? Então por quê ? E neste exato instante,você por fim entende,e refestela-se a valer nessa poltrona, a mais cômoda da casa,e pensa sem rancor: Perdi o dia,mas ganhei o mundo ( mesmo que seja por trinta segundos).
Aquela mágoa sem remédio é considerada nula,e sobre ela - silêncio perpétuo.